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Fatores Humanos

Desvendando a Complexidade por Trás das Ações do dia a dia no Ambiente de Trabalho

Certamente, se você é um profissional de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) atento às “novas abordagens” que ganham espaço em seu campo de atuação, você já ouviu falar sobre Fatores Humanos. Acredito ainda que é muito provável que, em algum momento você tenha se questionado com coisas do tipo:

• “O que realmente há de novo nessa abordagem?”

• “É apenas uma abordagem filosófica? Não consigo entender o que devo fazer”

• “Lá vem mais um discurso sobre a humanização do trabalho, dizendo que não podemos mais ser rigorosos com os empregados."

No cenário acelerado em que vivemos, com um fluxo constante de informações e tempo limitado, é comum sentir-se sobrecarregado por questionamentos, o que pode dificultar avanços significativos em nosso aprendizado.

Observo frequentemente grandes empresas lançando programas de Fatores Humanos que se resumem a expressões tristes ou felizes em formulários de Diálogo Diário de Segurança (DDS) ou em treinamentos que simplificam excessivamente o conceito ao "FATOR HUMANO". Esta simplificação é uma armadilha comum. Minha intenção aqui é clarificar o que são Fatores Humanos e oferecer uma direção para aqueles que desejam aprofundar-se no tema, ajustando o foco para uma compreensão mais nítida.

Uma das definições de Fatores Humanos que mais aprecio vem do Report 621 da IOGP (2013), que os descreve como "simplesmente aquelas coisas que podem influenciar o que as pessoas fazem". Destaco a palavra "simplesmente" para sublinhar que, embora pareça simples, a definição abrange uma complexidade profunda sobre o que realmente influencia as ações humanas.

Em 1988, Rachel Gordon dinamizou o conceito entendendo Fatores Humanos como o estudo científico no ambiente de trabalho, da interação entre fatores organizacionais, de grupos e individuais.

Uma imagem didática, utilizada pelo renomado pesquisador Josué Maia, pode proporcionar maior clareza sobre a amplitude que devemos considerar na definição não exaustiva de "Fatores Humanos".

Os Fatores Humanos reconhecem a importância do ser humano nas operações, compreendendo sua flexibilidade e variabilidade. Essas características são essenciais para integrar o trabalho esperado com o trabalho real, considerando a complexidade e a incerteza das operações. Por meio de uma abordagem sistêmica, os Fatores Humanos consideram as interações entre pessoas, tecnologia e organização.

De forma simples e direta, Fatores Humanos são todos os fatores que influenciam o desempenho humano nas suas atividades. Tais fatores atuam em conjunto e podem ser tecnológicos, ambientais, organizacionais e individuais, dentre outros.

Considerando essa perspectiva ampla, estou aqui para oferecer suporte na exploração mais aprofundada desse tema. Podemos discutir como você pode integrar essa abordagem em seu cotidiano como SST.

Para iniciar essa aventura e embarcar nessa travessia, é importante partir de um princípio fundamental de que as pessoas são a solução e não um problema para se resolver.

A abordagem de segurança baseada nos Fatores Humanos desafia a visão tradicional do "erro humano" como principal causa de acidentes, destacando-o como um sintoma da interação complexa dos elementos do sistema. Em vez de uma explicação simplista, o "erro humano" é visto como um ponto de partida para análises mais aprofundadas, visando aprendizado e melhoria contínua nos sistemas de trabalho.

Agora que entendemos essa parte, podemos aprofundar em cada um dos fatores que abordamos na imagem sobre Fatores Humanos, começando pelos Fatores Organizacionais.

Falando em FATORES ORGANIZACIONAIS é importante perceber o quanto a organização tem influência direta em como nós fazemos o que fazemos.

Um exemplo disso é quando uma empresa foca muito em compliance, resultando em procedimentos extensos que tentam abranger toda a legislação no padrão operacional. Isso pode tornar o documento pouco direcionador. Além disso, a empresa pode acreditar que o procedimento resolverá todos os problemas, e que o papel das pessoas é simplesmente cumprir o que está escrito, sem considerar o contexto.

Em uma empresa em que trabalhei, o conteúdo relevante do procedimento só começava na página 15, após várias seções de referências, capa, índice, sumário, responsabilidades e definições. Isso resultava em desinteresse por parte dos profissionais em buscar aprendizado em um documento tão extenso e tedioso.

Ambientes corporativos focados em resultados imediatos, é comum que os executantes tenham pouca participação na criação de soluções, que são frequentemente prédeterminadas. Muitos indicadores são medidos sem gerar melhorias reais, faltando aprendizado. A ênfase no planejamento é reduzida, com a crença de que as decisões devem ser tomadas por líderes, deixando a execução para os operacionais sem envolvimento significativo.

Ainda em uma Cultura acelerada e com grande distância entre a base e quem decide, você perceberá um baixíssimo engajamento dos profissionais para buscar as soluções. Não vamos ser efetivos em escuta ativa se não estruturarmos a devolutiva ativa.

Um exemplo real: Uma tarefa crítica deveria ser iniciada, porém, devido a atrasos na sua liberação, ocorreram sérios prejuízos no planejamento e na alocação de recursos. Isso resultou em pressão sobre os profissionais para cumprir o cronograma. Em uma organização com uma cultura voltada para resultados de curto prazo e uma hierarquia rígida, não foi possível revisar os prazos e fazer um planejamento adequado, culminando em danos à propriedade após a queda de uma carga.

O olhar de Fatores Humanos nesse sentido, lhe permitirá perceber estes aspectos influenciando nas decisões diárias dos profissionais.

Dentro dos FATORES TECNOLÓGICOS é importante perceber como tecnologia errada, mal aplicada ou mal dimensionada pode de fato ser uma grande influência para decisões inadequadas.

É comum ver grandes corporações estabelecerem estratégias anuais de negócios que prometem comprometimento com a segurança, mas ao mesmo tempo reduzem drasticamente os investimentos em manutenção de equipamentos. Um problema frequentemente discutido é a falta de maturidade na Gestão de Mudanças nos processos industriais. Um exemplo marcante é o desastre na Refinaria de Texas City em 2005, onde a falta de manutenção de tecnologias contribuiu para o incidente. Da mesma forma, uma mudança tecnológica teve um papel crucial na queda de dois aviões no caso conhecido como a "Tragédia do Caso Boeing", amplamente documentada em filmes e documentários disponíveis online.

Um exemplo real: Um profissional precisava de uma parafusadeira para concluir uma tarefa. No almoxarifado, encontrou duas parafusadeiras danificadas antes de finalmente utilizar uma terceira, que estava improvisada na conexão entre a ferramenta e a mangueira. Sem checar sua integridade, ele iniciou a tarefa, e a conexão rompeu, causando um acidente em sua perna direita. Uma gestão adequada da integridade e fornecimento de equipamentos seguros teriam evitado esse incidente.

A abordagem de Fatores Humanos possibilita analisar tecnologias desde a concepção e projeto de uma instalação até a Gestão de Mudança e Integridade de Ativos. Não apenas na fase inicial, mas durante toda a operação, essa perspectiva ajuda a estabelecer o design adequado para cada tecnologia utilizada ao longo do ciclo de vida do projeto, seja equipamento, ferramenta, software, inteligência artificial ou qualquer outra.

Ao analisar os FATORES AMBIENTAIS, você obterá uma visão mais abrangente de como o ambiente afeta a execução do trabalho. Isso inclui avaliar se o layout da oficina é ideal e se existem ruídos, calor ou outros elementos que possam afetar a fadiga e a comunicação dos profissionais em determinada área.

Além de definir o layout, a organização e a limpeza do ambiente são de extrema importância. É comum encontrar situações em que a desorganização ou a sujeira do ambiente, ignoradas na análise dos fatores humanos, resultariam em culpar a falta de atenção dos profissionais. Outro erro frequente é lidar com ambientes ruidosos apenas com proteção auditiva, sem buscar reduzir o ruído. Isso ocorre porque a proteção auditiva atende aos requisitos legais e ao Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR), ignorando que o ruído não só causa perda auditiva, mas também torna o ambiente mais confuso e estressante, afetando a comunicação dos profissionais. Imagine a diferença nas decisões tomadas em uma sala com ar condicionado silenciosa em comparação a uma área barulhenta e quente.

Um exemplo real: Durante uma atividade de manutenção, um profissional escorregou em um piso sujo de óleo e sofreu uma lesão ao atravessar a área para pegar uma ferramenta. Enquanto uma abordagem inicial questionaria se o profissional percebeu o óleo no piso, uma análise centrada nos fatores humanos investigaria por que o piso não estava seguro para o tráfego do profissional e quais falhas ocorreram para não garantir um ambiente de trabalho adequado.

Para concluir, mas não encerrar, os fatores que influenciam o comportamento, temos o FATOR INDIVIDUAL.

Este é o aspecto que muitos entendem como os "Fatores Humanos" mencionados pela Ciência da Segurança. Incluem-se aqui experiência, percepção, conhecimento e uma variedade de habilidades técnicas e não técnicas que os indivíduos trazem para suas tarefas, interagindo com todos os outros elementos do sistema. 

Na abordagem dos Fatores Humanos, acreditamos que as pessoas são a solução, não o problema a ser resolvido, e que estão comprometidas diariamente em realizar suas tarefas, apesar das diversas dificuldades de um sistema sociotécnico complexo. Reconhecemos as variabilidades reais e diárias, desafiadas por uma visão limitada que espera que as pessoas se ajustem constantemente a um sistema perfeito, resultando em baixo aprendizado no cenário industrial atual.

É importante registrar que todos os fatores interagem entre si, então uma tecnologia implementada em um ambiente produtivo precisará de um procedimento ou check list que será realizado por um profissional capacitado e bem intencionado.

Estudos em Ergonomia, Confiabilidade Humana, HOP, Resiliência, entre outros, oferecem metodologias, ferramentas e estratégias que enriquecerão sua compreensão dos sistemas e suas interações com o indivíduo. Pretendo abordar esses temas em uma nova publicação como esta.

Ao concluir esta publicação, gostaria de destacar os passos essenciais para iniciar uma Jornada de Fatores Humanos em sua organização, conforme preferimos: os cinco passos para dar início a essa jornada.

1. Engajamento dos Patrocinadores: Inicie essa jornada corporativa com um entendimento profundo e significativo dos líderes sobre os fatores que influenciam o trabalho. Isso inclui debates e reflexões para uma transição de uma cultura de culpabilização para uma de aprendizado e melhoria contínua. É momento de definição de rota, alocação de recurso e governança.

2. Fluência para todos: É crucial que o aprendizado sobre Fatores Humanos seja descentralizado e não restrito apenas à liderança, desta forma, é crucial estabelecer um programa de capacitação a todos os níveis, aguçando a curiosidade e estimulando um ambiente de aprendizado contínuo.

3. Aprendizagem praticada: Este é um momento importante onde a organização começa descartar práticas obsoletas e imple’mentar novas que façam sentido. Essa decisão deve envolver aqueles que estão no campo de ação, mantendo a gestão dinâmica e fora das gavetas. É nesta fase que se percebe as lacunas entre o trabalho real e imaginado e como as adaptações são essenciais. 

4. Alinhamento Organizacional: Na fase atual, a organização identifica e corrige desalinhamentos entre seus sistemas/processos e a nova abordagem dos Fatores Humanos, realizando mudanças em processos essenciais como investigação de acidentes e métricas de desempenho para promover a transformação cultural.

5. Flexibilidade e Adaptação: Não há uma fórmula fixa com cinco passos. O aprendizado deve evoluir com o tempo e a maturidade organizacional. Sistemas cada vez mais resilientes devem ser projetados para que a Organização “aprenda a aprender”.

Ao concluir, espero ter esclarecido o conceito de Fatores Humanos para quem começou a leitura com uma visão limitada e despertado o interesse em quem ainda não percebeu sua importância. Encorajo a todos a explorar mais sobre o assunto, seja através de recursos educativos ou referências na área, como os trabalhos de Victor Nazareth, Josué Mais, Eder Henriqson e José Carlos Bruno. Além disso, engaje-se em materiais como séries e documentários na Netflix que ilustram a aplicação e as implicações dos Fatores Humanos, como "Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing" e "Challenger: Voo Final". Encontro vocês na próxima publicação! Até lá...


Instagram: @thomas.doro

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