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Segurança Psicológica e o Silêncio Organizacional

“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”
Guimarães Rosa

Ao longo das décadas, esforços e investimentos têm sido direcionados para mitigar riscos ocupacionais. Nas empresas, os murais estão repletos de avisos sobre trabalho seguro, os Diálogos Diários de Segurança (DDS) abordam questões fundamentais como o uso correto dos EPIs, e documentos oficiais detalham protocolos de saúde e segurança no trabalho. Todas essas medidas visam proteger vidas e garantir a integridade das organizações.

Mas, diante de tantas normas e procedimentos, surge uma questão: será que todo esse aparato é realmente eficaz sem considerar um elemento frequentemente negligenciado — a segurança psicológica

Os dados do Instituto Gallup revelam que, as organizações podem obter uma redução de 27% na rotatividade, uma redução de 40% nos incidentes de segurança e um aumento de 12% na produtividade

Este artigo visa abordar a importância da segurança psicológica nas organizações e como a falta dela contribui para o silêncio organizacional, prejudicando a inovação, a saúde mental e o desempenho dos colaboradores.


O que é segurança psicológica?

Imagine um colaborador enfrentando tarefas complexas que exigem concentração total. Ele segue rigorosamente os protocolos, utiliza os EPIs corretamente e conhece as normas de SST. Ainda assim, trabalha sob intensa pressão para atingir metas desafiadoras. Em uma situação de alto risco, sinais de exaustão e insegurança começam a aparecer. Porém, o medo de ser ridicularizado ou punido o impede de buscar ajuda e comunicar suas preocupações.

Esse silêncio, motivado pelo receio de julgamentos ou retaliações, compromete não apenas a segurança do trabalhador, mas também o desempenho da equipe e os resultados da organização. Para romper essa barreira, é necessário ir além das medidas físicas e abranger a dimensão humana da segurança

Amy Edmondson, pesquisadora da Harvard Business School, define segurança psicológica como a crença de que é seguro assumir riscos interpessoais, pedir ajuda, admitir erros e expressar ideias sem medo de punições ou rejeição. Quando existe confiança, respeito e abertura, as pessoas se sentem à vontade para contribuir de forma genuína, expondo vulnerabilidades sem receio de consequências negativas.

Agora pense no impacto emocional de alguém que, ao final do dia, lamenta não ter alertado sobre um risco que poderia ter prevenido um acidente. Ou daquele profissional entusiasmado, cujo brilho se apaga porque suas ideias são ignoradas. Essas experiências, repetidas diariamente, corroem a motivação e criam ambientes estagnados. Promover a segurança psicológica significa abrir espaço para a troca honesta, onde discordâncias enriquecem debates e vulnerabilidades são tratadas com acolhimento.  


Microanálises

Imagine sua equipe em uma situação em que um colaborador, ao chegar em casa, se sente frustrado por não alertar sobre um risco iminente. Talvez ele tenha se calado por já presenciar reações negativas de líderes a críticas ou sugestões. Essa hesitação pode vir também da percepção de que o líder detém muito mais conhecimento, tornando a opinião dele menos valorizada. Amy Edmondson chama isso de microanálises: aquelas decisões rápidas e inconscientes que fazemos ao avaliar o risco de nos expor. Quando o medo de ser reprimido ou ignorado se sobrepõe à necessidade de compartilhar uma preocupação, o silêncio acaba prevalecendo.

E aqui está o problema: o silêncio corrói a confiança e bloqueia o crescimento. Para que as equipes possam crescer e contribuir, é preciso criar espaços onde todos se sintam seguros para falar, sem medo de julgamentos. Essa é a essência da Segurança Psicológica.


O mito de cassandra e a cultura do silêncio nas organizações

O Mito de Cassandra fala sobre a frustração de ter o conhecimento sobre o futuro, mas ser ignorado. Na mitologia grega, Cassandra, filha de Príamo e Hécuba, reis de Troia, recebeu de Apolo o dom de prever o futuro. No entanto, foi amaldiçoada a nunca ser acreditada em suas profecias, mesmo que fossem verdadeiras. Ela previu a queda de Troia e outros desastres, mas suas advertências foram ignoradas.

Essa história, embora mitológica, pode ser pensada para ambientes corporativos. Frequentemente, colaboradores detectam riscos ou problemas que podem afetar a segurança ou os resultados da empresa, mas encontram barreiras para serem ouvidos. Seja por medo de represálias, falta de canais de comunicação ou por suas percepções não serem valorizadas, essas vozes acabam sendo silenciadas. 

A cultura do silêncio, onde as opiniões são reprimidas ou desconsideradas, gera um ambiente onde questões cruciais ficam sem solução. Preocupações legítimas são ignoradas, intensificando problemas operacionais, emocionais e psicológicos. Assim como Cassandra, esses profissionais vivem a angústia de prever consequências negativas, mas não conseguem agir para evitá-las.

Quando as pessoas se sentem seguras para falar e têm confiança de que suas observações serão levadas a sério, o risco de falhas diminui. E mais: a motivação aumenta. Ouvir e valorizar diferentes pontos de vista é uma prática não apenas saudável, mas também uma estratégia fundamental para a sustentabilidade organizacional.


Como implementar a segurança psicológica nas empresas? 

O caminho começa com diagnóstico. Contar com profissionais que avaliem o clima organizacional por meio de pesquisas e entrevistas ajuda a mapear o nível de confiança e abertura da equipe. Paralelamente, investir em treinamentos para líderes é indispensável. Uma liderança que responde a erros de forma construtiva e acolhe preocupações de maneira respeitosa inspira exemplo, confiança e engajamento. 

Agora, para superar a cultura do silêncio e promover um ambiente de segurança psicológica, priorize a participação dos colaboradores. Crie canais para interação, troca de ideias e celebrações. Reconheça contribuições com elogios e incentivos, respeitando a equidade e promovendo inclusão e diversidade.

Como líder, estimule a comunicação aberta e pratique uma escuta genuína. Mantenha o diálogo constante, seja claro sobre metas e desafios, e demonstre empatia ao oferecer suporte. 

Reserve um momento para refletir sobre as perguntas propostas pela Edmondson:

  • Sua equipe se sente à vontade para expressar opiniões e ideias sem medo de críticas ou represálias?
  • Eles se sentem seguros para assumir riscos e propor novas soluções, mesmo que possam resultar em erros?
  • Os membros da equipe se sentem confortáveis para pedir ajuda ou suporte quando necessário?
  • Sua equipe percebe que tem liberdade para sugerir mudanças na empresa?
  • Eles se sentem parte integrante do grupo?

As respostas a essas perguntas podem ajudar você a entender como sua equipe percebe o ambiente e a identificar pontos que podem ser ajustados.


Conclusão


Quando os trabalhadores se sentem psicologicamente seguros, estão mais dispostos a comunicar riscos, apontar falhas em projetos, questionar burocracias que atrapalham e até discordar da gestão. Isso pode parecer desafiador, mas é exatamente o tipo de risco interpessoal que evita acidentes, erros, desperdícios, conflitos e insatisfação no trabalho.

Por outro lado, a ausência de segurança psicológica leva ao silêncio, conformismo, isolamento e desmotivação. Sem confiança e apoio para expressar opiniões e assumir desafios, os trabalhadores temem represálias, rejeição ou perda de oportunidades. Como resultado, preferem não se expor, tornando-se invisíveis e silenciosos, desconectados do ambiente ao seu redor.

Não podemos nos acomodar a cenários assim. Que tal começar a construir um espaço mais seguro e aberto para sua equipe? Ouça mais, dialogue com autenticidade, incentive a participação. A mudança começa com pequenas ações que demonstram respeito, confiança e acolhimento. O próximo passo está em suas mãos.



Referências


EDMONDSON, Amy C. A Organização Sem Medo: Criando Segurança Psicológica no Local de Trabalho para Aprendizado, Inovação e Crescimento. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019


GALLUP. State of the American Workplace. Washington, DC: Gallup Press, 2017.


MITOLOGIA.PT. O mito de Cassandra. Disponível em: mitologia.pt. Acesso em: 20 nov. 2024.


PEOPLENOTTECH. Segurança Psicológica em Números. São Paulo: Peoplenottech, 2021.


Instagram: @carlosmaykepsi




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